Apesar de não ter uma história grande de mineração como os outros estados brasileiros, o Tocantins se tornou, em 2024, o sétimo estado a mais exportar ouro no Brasil, reflexo da nova política de incentivo à mineração adotada pelo Governo Estadual.
Isso garantiu, no primeiro bimestre de 2025, um faturamento maior que 30 milhões de dólares, equivalente a 170 milhões de reais, segundo dados da Agência de Mineração do Estado do Tocantins (Ameto).
De acordo com a Companhia de Mineração do Tocantins (Mineratins), o Estado está se tornando hoje o terceiro maior exportador de calcário do país, sexto maior exportador de ouro no Brasil, e também possui abundância de minério de ferro, cobre e esmeraldas.
A riqueza geológica da região é indiscutível e apesar de demorar alguns anos, a exploração mineral tocantinense está se tornando cada vez mais forte. Na 25ª edição da Agrotins, o maior evento do agronegócio da região Norte do Brasil, a Ameto ganhou destaque especial.
O órgão fechou um contrato de projeto de mineração de ouro na cidade de Monte do Carmo, avaliado em 250 milhões de dólares, equivalente a aproximadamente 1,4 bilhão de reais, com a empresa Hochschild.
Não só houveram comemorações por parte do governo estadual, presidência da Ameto e outras áreas relacionadas à mineração, também foi muito discutida e divulgada a iniciativa da mineração sustentável.
Mas afinal, o que seria uma mineração sustentável? A presidente da Mineratins, Dra. Lina Ester Barbosa Ribeiro recebeu a equipe da Sagaz Jr. na sede do órgão para explicar melhor essa e outras questões sobre a mineração no Tocantins.
Mineração sustentável; o que é preciso para evitar impactos ambientais severos?
A Dra. Lina Ester Barbosa Ribeiro, advogada com especialização em Direito e Gestão Minerária, e atual presidente da Mineratins, é uma das principais responsáveis pelo avanço da mineração no Estado e pela fiscalização da atividade. Para ela, a mineração sustentável vai além do cumprimento das leis ambientais e de segurança. É também uma questão de acesso à informação para os trabalhadores da área.
“Isso é mineração responsável, não só para um gestor (de grandes empresas mineradoras) mas para quem está na base, para quem tem sua fazenda atingida por um projeto de mineração.”
Dra. Lina Ester Barbosa Ribeiro, presidente da Mineratins
A princípio a presidente explicou algumas coisas sobre a mineração, como a necessidade de anos de estudos antes do começo das atividades, segundo ela para uma atividade mineradora que dura entre 8 a 12 anos, são necessários em média 6 anos de pesquisa de solo, minérios e impactos a região.
Além disso, existem, segundo a Dra. Lina Ester, uma série de documentos e autorizações – como licença prévia, alvará de pesquisa, licença de instalação e tantas outras – para que se inicie uma exploração mineral, independente do tamanho da atividade e caso algo esteja fora dos padrões, as multas podem chegar aos milhões ou bilhões.
Durante entrevista à equipe da Sagaz Jr., a presidente falou sobre os desafios enfrentados pela Mineratins e o atual cenário da mineração no Tocantins.
A presidente também revelou que a Mineratins passou por um processo de sucateamento ao longo dos últimos 12 anos, antes do início de sua gestão. Segundo ela, nesse período, sequer foram produzidos registros documentais consistentes sobre a mineração no Tocantins. Com a reestruturação interna promovida desde que assumiu o cargo, o órgão tem ganhado força e agora busca atuar de forma mais efetiva em diversas frentes da atividade mineradora.
A explicação sobre o estado atual da Mineratins antecedeu a resposta a uma pergunta sobre a existência de um plano estadual de mineração sustentável. A presidente afirmou que, devido ao cenário crítico anterior, o órgão está há pouco mais de um ano em campo, realizando fiscalizações e acompanhando a sustentabilidade de operações em 16 municípios do Estado.
Segundo o próprio órgão, seu foco são os micro e pequenos mineradores, prestando suporte para que suas atividades de mineração se tornem legais e dentro dos parâmetros estabelecidos pela Agência Nacional de Mineração (ANM).
Outro papel atual da Mineratins está sendo o estudo do solo do Estado, que, segundo a Dra. Lina é indispensável para que a atividade mineradora seja feita da maneira mais correta e ambientalmente e socialmente correta possível.
Como destacou a presidente, a mineração é uma atividade humana essencial para o desenvolvimento socioeconômico. É por meio dela que se torna possível a construção de casas, veículos, eletrodomésticos e uma infinidade de outros bens de consumo. Praticamente toda a infraestrutura urbana depende, direta ou indiretamente, de produtos extraídos da mineração.
No entanto, o avanço desordenado de uma atividade com alto potencial de impacto ambiental exige fiscalização rigorosa. O desenvolvimento não pode ser justificativa para práticas sem controle ou responsabilidade socioambiental.
Mineração sustentável; o outro lado da discussão
A suposição de mineração sustentável é algo extremamente questionado no meio acadêmico. Como apontado pelo Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais (WRM), “uma iniciativa internacional que visa a contribuir com lutas, reflexões e ações políticas de povos que dependem da floresta, indígenas, camponeses e outras comunidades do Sul global”, a mineração é uma atividade a curto prazo.
Caso a mineração aconteça em áreas de floresta, o desmatamento, além de causar um impacto imediato na vida dos animais locais, como perda de habitat e alimento, aumenta o problema de enchentes, uma vez que o solo não consegue absorver a água da chuva.
O consumo de água feito pela atividade de mineração esvazia drasticamente as reservas dos lençóis freáticos, que muitas vezes são utilizados para abastecimento da população nas áreas urbanas e rurais. Além disso, também há o risco de contaminação das águas devido aos materiais tóxicos presentes na mineração.
A poluição do ar devido ao pó gerado pela mineração causa diversas doenças como transtornos respiratórios nas pessoas e asfixia em plantas e árvores, além de liberar gases tóxicos para a atmosfera, que agravam as chuvas ácidas e o efeito estufa.
O WRM também questiona a justificativa da mineração como principal forma de alimentar o desenvolvimento industrial por supri-lo com matérias primas e energia. Segundo o movimento, existe uma concentração de investimentos em atividades mineradoras que focam na procura de ouro e diamantes marginalizando qualquer outro tipo de atividade.
Como exposto pelo WRM, “No ano 2001, 82% do ouro refinado teve por destino o mercado de jóias; aliás, vale a pena lembrar que, para fazer um anel de ouro, a quantidade média de resíduos de rocha gerados numa mina é superior a 3 toneladas.” Não só os resíduos gerados são um problema ambiental e social, como a violência em decorrência das corridas de ouro são extremamente problemáticas.
Ainda como pontuado pela WRM, “Dos Sioux de Black Hills aos aborígines de Bendigo, na Austrália, a história do ouro está manchada de sangue. Hoje, os Yanomami e os Macuxi da Amazônia, os Galamsey da África Ocidental e os Igorot das Filipinas arriscam a mesma sorte.”
O chamado “consentimento” que muitas comunidades acabam dando às empresas mineradoras não reflete, de fato, a realidade enfrentada pelos povos originários durante o período de exploração. Esse aval, muitas vezes obtido sob pressão ou sem a devida informação, não garante proteção contra os impactos sociais, culturais e ambientais que essas populações sofrerão ao longo da atividade mineradora.
Mineração sustentável é possível?
A mineração sustentável é, até certo ponto, uma possibilidade real — embora envolva diversas contradições. Mesmo que o termo traga implicações semânticas controversas, já que muitos dos recursos extraídos não são renováveis e inevitavelmente se esgotam, torna-se indispensável adotar práticas que minimizem os impactos ambientais. Em um mundo cada vez mais afetado pelas mudanças climáticas, repensar a forma como extraímos e utilizamos esses recursos é uma urgência.
O Brasil conta com uma legislação ambiental robusta para regulamentar a mineração e prevenir a exploração desenfreada. No entanto, o maior desafio segue sendo a falta de fiscalização eficiente, tanto em pontos de garimpo ilegal quanto em grandes operações industriais. Nesse contexto, a atuação da Mineratins, ao incentivar a legalização de atividades mineradoras, representa um passo inicial importante para inserir esses empreendimentos dentro dos parâmetros legais e ambientais.
Outro ponto crucial é a fiscalização constante e rigorosa das minas operadas por grandes multinacionais do setor. Empresas com histórico de violações ambientais e sociais, como a Hochschild no Peru, seguem atuando em diversos países sem a devida responsabilização. A impunidade e a conivência de autoridades locais frequentemente agravam os impactos gerados por esses empreendimentos.
Discutir a mineração sustentável é, portanto, complexo — mas fundamental. É dessa reflexão que pode nascer um modelo mais equilibrado, que garanta o uso racional dos recursos naturais sem comprometer o futuro das próximas gerações.