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Misoginia digital: um retrato da violência contra mulheres no mundo da web

A prática ganha força no ambiente digital por meio de grupos extremistas e redes sociais, ampliando a violência psicológica e social contra mulheres.

Se antes comportamentos odiosos em relação às mulheres eram presenciados nas ruas e dentro dos lares, hoje o machismo e a misoginia acompanharam a evolução tecnológica e ganharam força nas mídias sociais. Com a internet, esses discursos se espalham rapidamente, como ocorre, por exemplo, em grupos extremistas como os “Incels” (celibatários involuntários), que alimentam fóruns e chats com ódio contra mulheres e contra homens que mantêm relações voluntárias com elas.

Outro exemplo alarmante é o movimento “Red Pill”, uma comunidade virtual que compartilha “mandamentos” sobre como os homens devem agir para que não sejam “dominados” por mulheres, promovendo a ideia de uma guerra entre “eles” e “elas”. Um de seus discursos mais repetidos é a categorização misógina de “mulheres para casar” e “mulheres sem valor”.

A importância da representatividade

A jurista e ativista feminista estadunidense Catharine MacKinnon expõe essa realidade no artigo “Se as mulheres fossem humanas”, publicado em 2006 pela revista da Universidade de Harvard. Nele, ela questiona como a sociedade frequentemente não enxerga o feminino como algo digno de respeito ou reconhecimento.

“Se as mulheres fossem humanas, teríamos tão pouca voz nas deliberações públicas e no governo dos países em que vivemos? Seríamos escondidas por detrás de véus, presas em casas, apedrejadas e levaríamos tiros por recusarmos? Seríamos espancadas quase até a morte — ou até a morte — por homens de quem somos próximas?”, questiona a jurista.

A misoginia é, assim, um mecanismo de perpetuação do patriarcado. Essa estrutura é fortalecida por discursos e ações que mantêm a mulher em condição de subjugação, e há inúmeros casos na mídia que evidenciam essa prática.

Teoria em prática: o caso Amber Heard

Em 2022, a atriz Amber Heard teve a violência que sofreu do ex-marido, o ator Johnny Depp, ridicularizada e descredibilizada globalmente por meio das mídias digitais, principalmente no YouTube e TikTok. Isso ocorreu após um julgamento por difamação em que ambos foram considerados culpados pela justiça americana.

Johnny Depp e a ex esposa Amber Heard – Foto: Google Imagens

Depp perseguiu Heard judicialmente até alcançar o resultado esperado e exigiu que o julgamento fosse transmitido ao vivo para o mundo. Vídeos de agressões verbais, testemunhos sobre os machucados, mensagens de texto em que ele falava sobre humilhá-la globalmente, afogá-la, matá-la e estuprá-la, além de seu histórico de abuso de substâncias e violência, não foram suficientes para sensibilizar grande parte da opinião pública.

Com o apoio de conteúdos manipulados e campanhas organizadas por grupos que se dizem defensores dos “direitos dos homens”, Depp saiu do tribunal como símbolo de um homem injustiçado por uma mulher “louca”. Segundo investigações, muitos desses grupos financiaram parte da campanha digital para restaurar sua imagem.

A realidade das vítimas anônimas

Para a médica veterinária Luanna Caroline Cavalcanti, de 24 anos, que usa as redes sociais para defender mulheres vítimas de misoginia virtual, a falta de apoio familiar e social é um dos principais obstáculos:

“Há mulheres que abandonam seus sonhos, suas vidas e seus empregos para se dedicarem à casa e aos filhos muitas têm medo até por eles. Conheço vítimas de violência doméstica que denunciaram e, mesmo assim, sofreram perseguições, foram desacreditadas, enquanto seus agressores continuam sendo aclamados. É difícil denunciar porque não temos apoio”, relata.

Segundo dados da Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos da SaferNet, as denúncias de misoginia na internet cresceram quase trinta vezes entre 2017 e 2022. A jovem Nicole Alves também foi vítima de discurso de ódio ao comentar nas redes sociais sobre os livros da série House of the Dragon.

“A sensação de isolamento e impotência foi uma das mais difíceis de lidar. Tentei buscar apoio e denunciar os comportamentos, mas não senti que houve empenho real das plataformas”, afirma.

Ao ser perguntada sobre o que as plataformas digitais poderiam fazer para proteger as mulheres, ela sugeriu que fossem estabelecidas e divulgadas políticas claras contra a misoginia e o discurso de ódio, garantindo que todos os usuários conheçam as regras e as consequências por violá-las. Também destacou a importância de facilitar o processo de denúncia com ferramentas rápidas e anônimas, além de banir perfis reincidentes que praticam esse tipo de violência.

Consequências emocionais e sociais

A psicóloga Raimara Lourenço aponta que mulheres vítimas desse ódio sofrem com insegurança, baixa autoestima, depressão e ansiedade. A exposição contínua a conteúdos misóginos gera estresse crônico e faz com que muitas duvidem de suas capacidades, sentindo-se constantemente desvalorizadas. A profissional também alerta que essa violência contribui para a desigualdade de gênero e a normalização do desrespeito e da agressão.

Enfrentamento e soluções possíveis

Diante do avanço da misoginia nas redes, especialistas e ativistas destacam a urgência de medidas concretas para enfrentar essa forma de violência. Entre as principais soluções estão a responsabilização das plataformas digitais, com investimentos em ferramentas eficazes de denúncia, remoção rápida de conteúdos ofensivos e sanções para usuários reincidentes. Também é fundamental promover a educação digital e de gênero desde a infância, como forma de desconstruir comportamentos machistas enraizados na sociedade.

Além disso, o fortalecimento de redes de apoio às vítimas, com acesso facilitado a atendimento psicológico e acolhimento adequado, é essencial. Por fim, é necessário implementar políticas públicas e legislações específicas voltadas à proteção das mulheres no ambiente virtual e à responsabilização legal dos agressores. A luta contra a misoginia digital é um desafio coletivo e urgente, que exige ações sistemáticas para tornar o ambiente virtual e a sociedade como um todo, mais justo, seguro e igualitário para todas as mulheres.

 

Camila Silva

Escritor

Aluno de jornalismo

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